Não sou capa de revista, sou caixa de super-mercado; moro em Ceilândia (DF), Brasil; meu vizinho tem paralisia infantil; minha tia está numa cadeira de rodas há 8 anos; meu irmão perdeu os dedos na serralheria; o filho do dono da padaria é cego; do outro lado da rua mora uma família de mendigos a céu aberto, tem um menino de cerca de três anos e mãe está grávida, faz 13 graus à noite. Apareci na televisão uma vez, lá atrás, disseram. Foi quando fui ver um atropelamento múltiplo que houve na beira da estrada. Nós, nós somos reais.

Depois de nunca ter atingido o ideal de beleza que me impuseram, apodrecerei sob o solo e serei esquecida. Marylin Monroe continua viva. Fred Astaire nunca deixará de dançar. Quando estamos olhando, "no céu", uma estrela, provavelmente, ela não existe mais, eu existo. Todas as estrelas se parecem muito entre si. Nós, população de sem nomes, somos diversos, os atores são todos iguais. Existem raríssimas exceções: Jô Soares é gordo, mas além de entrevistador ele começou, e permanece, como um cômico, e nesta condição, e só nesta condição, ele pode ser gordo: rir e fazer rir de sua deformidade.