Arte,
fotografia, novas técnicas.
Um
redimensionar constante do saber.
Falar em arte, fotografia e novas
tecnologias, significa falar do desenvolvimento técnico, do desdobrar do saber,
retrato do ser humano e da humanidade contemporâneos. A arte sempre utilizou
diferentes técnicas: técnicas médicas para embalsamar as múmias do Egito;
técnicas para fixar as tintas; técnicas de construção (engenharia e
arquitetura) em monumentos, castelos, igrejas, técnicas artesanais para a
fabricação de pincéis; as técnicas de reprodução da imagem: xilogravura,
gravura sobre metal, litografia, serigrafia, off-set, etc.
A perspectiva nada mais é do que
sistematização do olhar, uma técnica para transcrever sobre um suporte a visão.
A fotografia introduziu um procedimento químico que permitiu fixar um espectro
da imagem visualizada. Muitos crêem que foi a fotografia que forçou a arte a
pintar como os impressionistas e, depois, os cubistas. Não estou bem certa
disto. Todo um contexto novo gerado pela revolução industrial deu à vida uma
nova dimensão. Havia, além do aparecimento de objetos industrializados, uma
aceleração da produção, uma aceleração da vida em si, que gerava uma nova
compreensão do mundo. Costumo dizer que havia, nesta época, como há agora, uma
nova ecologia simbólica sendo gerada.
Os impressionistas são conhecidos
por pintarem ao ar livre e este fato é pensado, muitas vezes, apenas, como um
desejo de criar novidade na arte. Os impressionistas –não esqueçamos que houve
Turner, na Inglaterra, antes deles, e que Turner muito viajou pela França
fazendo aquarelas - foram levados a pintar ao livre porque, com a revolução
industrial, começou-se a produzir as tintas industriais e as bisnagas de tinta
tal qual as conhecemos hoje, e isto facilitava enormemente o transporte das
tintas. Antes, as tintas tinham que ser produzidas pelo pintor, ou por um
aluno, no atelier, e eram guardadas em bexigas animais (tripas) frágeis ou
vidros muito pesados. Cézanne pintou com pincéis e espátulas produzidos
industrialmente, obtendo uma pintura totalmente renovada. Tintas e novas cores
industriais, bisnagas de metal, pincéis e espátulas feitos em série são frutos
da Revolução Industrial que vieram definitivamente modificar a Arte.
Os dadaístas trouxeram
enormes inovações, não só para a Arte, mas também para a tipografia e a propaganda.
Acredito que o próprio conceito de arte foi modificado, neste momento. Esta
afirmativa seria óbvia se estivéssemos pensando nos ready-mades de
Marcel Duchamp, mas estamos nos referindo apenas aos panfletos dadaístas.
Além disto, este movimento esboçou o que depois viria a tornar-se a linguagem
artística performance (happennings, body-art, art corporel)
que trouxe a arte tornada efêmera, o tempo como elemento estético da arte,
o corpo como sujeito e objeto da arte, a arte multidisciplinar. Tantas novidades
foram geradas por uma realidade no limite do absurdo: a Primeira Guerra, dita,
mundial que na realidade arrasou a Europa matando 8.700 mil pessoas. Apenas
na França, a guerra deixou 700 mil mutilados! O dadaísmo nasce desta realidade,
deste momento histórico. A arte está toda plena da história, da política,
da economia, da produção industrial, atualmente, da ecologia das, ditas, novas
tecnologias, da globalização. Por isso mesmo, me referi acima, a uma nova
ecologia simbólica. A noção de ecossistema é uma noção que evidencia que a
menor parte é imprescindível para o todo e que este todo pode ser destruído
por um mal-estar pequeno de uma menor parte. Assim "voluem" (para
evitar o 'evoluir' carregado de uma noção de progresso) a arte, as técnicas,
as ciências, as histórias…, por processos rizomáticos em planos imanentes
diriam Gilles Deleuze e Félix Guattari.
[i]
A técnica da informática (a palavra
'tecnologia' -saber sobre a técnica- tem sido utilizada, sem uma maior
reflexão, para designar uma técnica avançada), a técnica digital, e a rede de
informações, como anteriormente outras técnicas, vem, certamente, ampliar as
possibilidades da arte. Mas também, a globalização virá modificar o conteúdo da
arte.
A fotografia digital, altamente manipulável, virá reconduzir a falsa
idéia de que a fotografia química representava o real. De fato, a fotografia
sempre foi um corte do real, corte espacial (recorte) e temporal (60 avos de
segundo, em média), uma manipulação do real, fosse ela manipulação de
iluminação ou de laboratório.
Os efeitos especiais, no cinema, e
as animações tridimensionais geradas por computador, eu diria, estão arrancando
nossas crianças do que se crê real. Nos parques de diversões imergimos em
realidades tridimensionais, totalmente geradas por computador, e somos levados
à sensações físicas de desconforto como na realidade. E para as crianças, sem
uma noção precisa da diferença entre real e imaginado/criado pelo homem e suas
técnicas, estas experiências se incrustam…
A rede de informações, que do meu
ponto de vista, só é rede de comunicações quando há performance, interlocução,
vem interceptar o quotidiano, daqueles que a ela tem acesso, de forma radical e
definitiva.
Muitos são os pontos sobre os quais
incidem estas novidades técnicas: os livros se redefiniram com os CD-Roms; a
música, tanto em seu fazer artístico quanto em sua forma de difusão,
multiplicou possibilidades; a matemática revitalizou-se com os fractais de
Mandelbrot, e a teoria do caos redimensionou a física, a química e a biologia;
a meteorologia, a ecologia,… tudo está sendo monitorado por satélites o tempo
todo, os computadores, a partir dos dados recolhidos, chegam a resultados nunca
imaginados.
Para o
artista, de fato, não importa utilizar-se, ou não, das novas técnicas.
Utilizar-se de novas técnicas não implica necessariamente fazer uma arte nova.
Ao contrário, muitas vezes, o artista ao utilizar-se de novas técnicas, se
perde, perde a busca de algo que realmente represente as inquietações, os
prazeres e a consciência do público. O público, também, ao maravilhar-se com a
novidade técnica, perde seu senso crítico. O que importa, para o artista, é
estar consciente dos anseios do indivíduo, sabedor das realidades locais e
pleno dos processos no mundo. Independentemente da técnica utilizada, importa
realizar um trabalho que, como conceito, esteja imerso na atualidade.